Secretarias de Educação já iniciam o ano com orçamento defasado

Imagine ser o chefe de uma família com três pessoas e receber mil reais por mês. O tempo passa, chegam a sua casa mais três pessoas e você continua recebendo os mesmos mil reais para manter um lar com seis pessoas. Difícil, não é?

A história é fictícia, mas em muito se aproxima da realidade dos secretários de Educação em Roraima. Enquanto o número de matrículas aumentou desde 2015 com a migração venezuelana, os recursos financeiros não acompanharam este crescimento. A secretária estadual de Educação e Desporto, Leila Perussolo, confirma isto.

Ela diz que as escolas estaduais não têm deixado de atender novos alunos por causa da escassez de recursos e que o Governo do Estado tem suportado sozinho essa despesa a mais. Isso porque o cálculo feito pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para o repasse de recursos não leva em conta o número de alunos do ano em curso.

Os valores para os Municípios são calculados com base no número de alunos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental e, para os Estados, com base no número de alunos dos Ensinos Fundamental e Médio, de acordo com dados do último censo escolar, que tem como referência as matrículas da última quarta-feira do mês de maio do ano anterior.

Da mesma maneira, a Prefeitura de Pacaraima recebe uma grande demanda nas escolas municipais e recorre a instituições parceiras quando precisa de ajuda. Por exemplo, a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), com apoio do Exército Brasileiro, montou a estrutura para ampliar o número de salas de aula na rede municipal de ensino; o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) doou 600 kits de carteiras; e o Exército fornece a alimentação para os quase 150 alunos warao – etnia indígena da Venezuela – que estudam no anexo da Escola Alcides que funciona na Paróquia de Pacaraima.

A sociedade civil e os próprios funcionários das escolas também ajudam como podem. No Colégio Militarizado Cícero Vieira Neto, única escola que oferece Ensino Médio na sede do município, os militares fizeram cota para comprar a farda de um aluno que não tinha condições financeiras e faltava às aulas, como relatou a gestora pedagógica Maria de Jesus Vieira Gomes.

Em Boa Vista, a situação é um pouco melhor. Segundo o vice-prefeito e ex-secretário municipal de Educação, Arthur Henrique Machado, o dinheiro é suficiente para fazer um bom trabalho. Mas ele reconhece que há algumas deficiências, como a demora na manutenção em algumas unidades.

Para que não fosse necessário “contar cada centavo”, os secretários cobram maior apoio por parte do Ministério da Educação. O secretário de Educação de Pacaraima, Abraão Oliveira, criticou o MEC e a Comissão Externa da Câmara dos Deputados que acompanha os impactos da crise migratória em Roraima e visitou o município em abril de 2019.

Questionado sobre a falta de apoio às Secretarias de Educação, o Ministério da Educação limitou-se a informar que dará apoio para as secretarias de educação dos municípios que participam da Operação Acolhida, sem dar detalhes de como será essa ajuda.

Já a Comissão Externa da Câmara dos Deputados informou que apresentou a diversos órgãos e autoridades do Executivo Federal os dados obtidos e compilados ao longo de 2019, bem como as recomendações formuladas pelo colegiado com base nas informações coletadas, no que se refere a todos os setores prioritários para o Estado de Roraima, como saúde, segurança e educação, criticamente afetados pela crise migratória.

No que tange à área da Educação, o colegiado frisou que todos os dados e recomendações foram devidamente expostos, pelo coordenador, o deputado federal Nicoletti (PSL/RR), ao então presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Rodrigo Dias, em reunião realizada no dia 31 de outubro de 2019, cujo objetivo foi tratar sobre os gargalos da Educação em Roraima, tendo em conta o déficit ocasionado pelo aumento da demanda nas escolas do Estado.

“Cabe lembrar, também, que o colegiado entregou em mãos para o presidente da República, Jair Bolsonaro, ofício com as reivindicações mais emergenciais colhidas durante visita técnica realizada em Roraima, nos dias 29 e 30 de abril de 2019, documento que também foi entregue para o então ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, cobrando providências do Governo Federal”, frisou. No entanto, não foi enviada à comissão nenhuma resposta pelos órgãos e autoridades citadas em relação às ações e recursos solicitados.

A Comissão Externa ressaltou, ainda, que não faz parte de suas atribuições regimentais a destinação de recursos, atribuição que compete ao Poder Executivo e aos parlamentares, por meio de suas emendas individuais e de bancada. O colegiado acrescentou que remeterá aos ministérios e autoridades federais competentes novos ofícios requerendo informações sobre os recursos adicionais repassados ao Estado e aos seus municípios em razão da crise migratória.

 

 

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*Esta reportagem foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social.

**Todas as entrevistas foram feitas antes da pandemia do novo coronavírus.

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