Na paisagem urbana diária de Boa Vista, é comum ver imigrantes venezuelanos trabalhando nas ruas. Com a baixa oferta de trabalhos e a dificuldade de se conseguir um emprego formal, muitos investem em vendas de objetos diversos e bebidas nos semáforos.
Mas há quem prefira oferecer serviços. É o caso do cozinheiro industrial Odanis Conoto, de 24 anos, vindo de Barcelona, no Estado de Anzoátegui e morando há um ano em Boa Vista. Ele relata que quando chegou à cidade, acampou durante um mês na Praça Simón Bolívar, antes de o espaço ser fechado, reformado e cercado pela Prefeitura.
“Depois fiquei na rua sobrevivendo com o que conseguia juntar, fui à Venezuela, voltei e passei por três abrigos aqui com a minha esposa e duas filhas, até que eu consegui juntar dinheiro e aluguei esse quarto”.
O quarto a que Odanis se refere fica na mesma propriedade no bairro 13 de Setembro, onde desde outubro ele – que no início deste ano ganhou um sócio – abriu um salão de beleza improvisado, debaixo da varanda da estância em que vive. O lugar está estrategicamente posicionado em frente à entrada do Abrigo Rondon I, o que facilita na visibilidade da clientela que passa pela esquina.
Além de atender conterrâneos, o cozinheiro, que tem 9 anos de experiência com corte de cabelo e barba afirma que também é procurado por brasileiros, a maioria vizinhos do bairro, devido ao seu preço popular. Ele cobra R$ 7,00 por qualquer tipo de corte, independente do sexo, faixa etária e nacionalidade do cliente.
Anteriormente, de acordo com Odanis, o corte custava R$ 5,00. Ele conta que o valor precisou ser reajustado com a chegada do sócio, que ‘aumentou a qualidade e velocidade do serviço, mas dividiu a quantidade de clientes entre os dois’. “Não fiz as contas, mas a média varia entre 10 a 16 cortes, dependendo do dia”.
Segundo o cabeleireiro, no começo do empreendimento o cenário era diferente e não havia muitos transeuntes na rua. “Com os abrigos começou a ter uma circulação maior de gente. Estamos aqui agora também porque a Guarda [Municipal] nos tirou da esquina, eles não gostam quando tem aglomeração de pessoas”, diz, ressaltando que, apesar de não parecer, existe concorrência para o negócio: há outros dois salões ao ar livre dentro dos abrigos e vários na Avenida das Guianas, em frente à Rodoviária de Boa Vista, lugar que concentra grande quantidade de imigrantes.
“Antes funcionava no muro lateral, só que na rua aqui do lado, na calçada. Tinha uma venda de salgado da dona e ela permitiu que eu trabalhasse perto. Depois ela me alugou um quarto e eu passei para o ponto que ela usava”, completa.
As máquinas de cortar cabelo foram trazidas da Venezuela e, apesar de terem voltagem de 110V, têm tomadas de conexões chatas, no padrão do país. Os equipamentos são encaixados em uma régua de energia que é compartilhada com o sócio, o técnico em refrigeração Saúl Villalba, que trabalha ao lado do companheiro, a maioria das vezes, simultaneamente.
A única situação inconveniente que passou no local desde que estabeleceu o salão foi no começo, em outubro. Segundo Conoto, um brasileiro estacionou numa moto se passando por fiscal da prefeitura, desceu do veículo, fingiu que estava inspecionando e disse para que o cabeleireiro recolhesse tudo.
“Na hora eu estava cortando o cabelo de outro brasileiro que estava acompanhado de um amigo. Aí os dois pediram o crachá, o homem se irritou e começaram a discutir. Aí ele foi embora e vimos que era mentira”, detalha. Odanis acreditou, a princípio, que o homem pudesse ter sido o parente do dono de uma barbearia da região, fato que nunca conseguiu comprovar.
Apesar de acreditar que o salão improvisado é a melhor opção financeira para a família no momento, Odanis diz que não pensa em reinvestir mais dinheiro com o que lucra no negócio. Ele não tem pretensões de voltar ao país de origem pelos próximos anos e diz que deseja morar em outro estado brasileiro na Operação Acolhida para trabalhar como cozinheiro industrial, atividade que exercia na Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA).
“No momento eu não voltaria. Apenas se o país se acomodar, o que eu acho que só vai acontecer em alguns anos. E já tenho muito tempo cortando cabelo, isso nos ajudou, mas preferiria trabalhar como cozinheiro, fazer comida para muita gente”, diz, afirmando que acredita que a viagem de interiorização está perto de acontecer.
Estilo
O estudante Jesús Palencia tem 19 anos e trabalha como churrasqueiro na região próxima à Rodoviária Internacional de Boa Vista. Cliente do salão de Odanis, o jovem corta o cabelo no local desde a abertura do estabelecimento.
Questionado sobre o motivo da preferência pelos cabeleireiros, Jesús é direto: “Eu venho cortar aqui porque eles sabem como é o estilo venezuelano”, diz, mostrando à reportagem uma cruz na nuca raspada, desenhada à máquina. “Isso é uma moda daqui, que nem a palavra ‘Fé’”, conclui, rindo.