Um dia após o Conselho de Defesa Nacional declarar o Linhão de Tucuruí como obra de interesse nacional, o Ministério Público Federal no Amazonas se pronunciou sobre o caso. Informou que acompanha os fatos e vê com muita preocupação a manifestação do Conselho de Defesa Nacional e a tentativa de aceleração da obra sem qualquer diálogo com os diversos atores envolvidos, notadamente os indígenas da etnia Waimiri-Atroari.
O MPF informou que atua há cerca de uma década no caso para garantir a observância dos procedimentos legais, constitucionais e internacionais relacionados ao direito ao meio ambiente e ao respeito aos direitos dos povos indígenas.
Destacou que a escolha do traçado em paralelo à rodovia BR-174 não foi precedida de análise das alternativas locacionais existentes, tampouco de avaliação do componente indígena. Essa definição classificada como arbitrária pelo MPF motivou o questionamento da validade do leilão da linha de transmissão, uma vez que o empreendimento foi idealizado de forma viciada, mediante avaliação meramente econômica, que desconsiderou os diversos aspectos socioambientais da região.
Além disso, o órgão já formulou questionamentos relacionados ao fracionamento indevido do licenciamento ambiental e propôs ações referentes à falta de consulta e consentimento livre, prévio e informado dos indígenas Waimiri-Atroari – que teriam seu território cortado pela obra – e a tentativas de coação do povo nativo por parte da Eletronorte e da Fundação Nacional do Índio (Funai), para que concordem com a linha de transmissão. Em todos os casos, houve decisões favoráveis aos pedidos do MPF, inclusive com sentença já proferida pela nulidade da escolha do traçado e do leilão que atribuiu à Transnorte energia a execução da obra.
Em paralelo, o MPF afirma que vem atuando desde 2015, por meio do Grupo de Trabalho Povos Indígenas e Regime Militar, para buscar a reparação e a compensação pelos graves danos causados ao povo Waimiri-Atroari em decorrência da abertura da rodovia BR-174, durante o período do governo militar.
Nos pedidos da ação civil pública que, no mesmo dia da decisão do Conselho de Defesa Nacional, teve audiência judicial histórica na terra indígena para ouvir sobreviventes dos ataques que quase dizimaram os indígenas, o MPF requer a declaração de responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de mais de dois mil indígenas quando da realização da obra, o pagamento de indenizações e o estabelecimento de garantias de não repetição, como a não intervenção militar em terra indígena e a garantia de que qualquer empreendimento sobre o território dependa de consentimento dos Waimiri-Atroari.
Com isso, o Ministério Público Federal diz que quer evitar novas violações praticadas no local e que a existência da estrada seja utilizada como um “mecanismo facilitador” para novos empreendimentos, que é justamente o que ocorre no caso da linha de transmissão.
O órgão pede também, na mesma ação, o reconhecimento do traçado da rodovia que corta a reserva como território indígena, tendo em vista que o Estado brasileiro, de forma ilegal, segundo o MPF, excluiu da demarcação da terra indígena o traçado da estrada, a despeito de se tratar de uma área de ocupação tradicional dos índios, onde havia aldeias, locais sagrados, cemitérios e roçados no passado.
Diante do novo cenário imposto pela decisão do Conselho de Defesa Nacional, o órgão está analisando as medidas cabíveis para garantir os direitos constitucionalmente assegurados aos indígenas e impedir que a falta de diálogo e a tentativa de realizar uma obra de grande impacto de ‘maneira açodada’, isto é, de maneira apressada, resultem na repetição de episódios de graves violações, como os ocorridos durante a abertura da BR-174.
Ressaltou que os Waimiri-Atroari sempre estiveram dispostos ao diálogo aberto e informado sobre a obra em questão e que o procedimento apenas não avançou até hoje em face da resistência do governo brasileiro em respeitar as leis nacionais e internacionais que assumiu o dever de cumprir.
Decreto publicado
Em edição extra do Diário Oficial da União de 28 de fevereiro, foi publicada Resolução nº 1 do Conselho de Defesa Nacional que reconhece a Linha de Transmissão 500 kV Lechuga – Equador – Boa Vista (interligação Manaus – Boa Vista) como de interesse da Política de Defesa Nacional, considerando-a alternativa energética de cunho estratégico para atendimento ao País.