Após as explosões em uma distribuidora de gás que mataram quatro pessoas no bairro São Vicente, em Boa Vista na terça-feira (15), a prefeitura municipal declarou que a empresa onde ocorreu a tragédia funcionava de maneira irregular. A Defesa Civil de Roraima, ligada ao Corpo de Bombeiros, diz que os últimos autos de vistoria do órgão foram emitidos em 2015.
Durante coletiva de imprensa nesta quarta-feira (16), a procuradora-geral do município, Marcela Medeiros, afirmou que outras duas empresas funcionavam no local do acidente, administradas pela mesma família do proprietário da Oxigênio Centro Norte, inativa junto à Receita Federal.
Segundo a prefeitura, uma dessas empresas, a BrasVeno, que também trabalha com gás liquefeito de petróleo (GLP), não possuía alvará de funcionamento e negligenciou notificações e procedimentos exigidos por lei para evitar riscos de acidentes.
“Em 2017 a BrasVeno deu entrada em um pedido de licença ambiental. Nossos fiscais fizeram uma vistoria no local e detectaram que ali só existia comércio de gases GLP, sem manipulação de cilindros, manufatura e atividade parecida com indústria”, disse a procuradora.
Ainda segundo o município, o alvará foi negado e a empresa notificada para que apresentasse vistoria e o laudo favorável do Corpo de Bombeiros, o que nunca teria acontecido. O grupo empresarial tentou dar entrada no mesmo pedido por meio da Junta Comercial do estado, que foi novamente negado. Esse documento é necessário para que a prefeitura seguisse nova etapa de verificações e concedesse o alvará.
Sobre as declarações da procuradora envolvendo a responsabilidade do Corpo de Bombeiros nas vistorias, o governo estadual informou em nota que cabe à corporação fiscalizar sistemas preventivos de empresas, e que não é sua responsabilidade autorizar ou não venda, fabricação ou manipulação de qualquer produto.
O governo não mencionou se a BrasVeno recebeu ou não laudo favorável para funcionamento.
Ao contrário do que afirmam prefeitura e Defesa Civil, o advogado das empresas citadas, Diego Rodrigues, disse que todos os alvarás estão regulares e que os proprietários devem se manifestar oficialmente nos próximos dias sobre o caso. No entanto, ele não repassou nenhum documento à reportagem.
Marcela afirmou ainda que a prefeitura não sabia quais atividades eram executadas no local das explosões e nem como a empresa fornecia gases para os clientes. “Até ontem a gente não tinha como saber em qual das empresas ocorreu o acidente. Ela não pode emitir notas fiscais do município e não há registro de nenhuma atividade no prédio, poderiam até estar usando outra empresa para isso”, declarou.
O município desconhece quantas empresas de comércio, manipulação e fabricação de GLP atuam em Boa Vista.
O governo diz que a empresa BrasVeno era autorizada a emitir documentos fiscais pela Fazenda estadual, como ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Em Roraima, o órgão não exige alvará de funcionamento como requisito para que empresas circulem mercadorias no estado, independente de estarem regulares ou não.
A prefeitura irá aguardar a perícia oficial para tomar outras medidas, que podem ser de notificação até embargo das empresas envolvidas.
O Corpo de Bombeiros é o órgão responsável por fiscalizar empreendimentos que manipulam substâncias inflamáveis ou com risco de explosão, apesar de a verificação da irregularidade também ser de competência da prefeitura e de outras entidades do governo estadual, sendo ela de comércio ou de serviço.
‘Árvore de falhas’
A Defesa Civil estadual, órgão ligado ao Corpo de Bombeiros, afirmou que os últimos autos de vistoria das empresas Oxigênio Centro Norte e BrasVeno foram emitidos em 2015 com vencimento em 2016, mas que as explosões não ocorreram por falta de prevenção no local.
“O auto vencido não foi um problema técnico para a operação após a explosão e não foi o que causou o desastre, já que o sistema de prevenção estava funcionando”, disse o coronel Cleudiomar Ferreira, que também é diretor-executivo da Defesa Civil.
No entanto, ele frisa que o fato não vai eximir as empresas de qualquer responsabilidade legal sobre a falta do documento, o que é grave.
“É uma falha gravíssima. Por mais que o sistema estivesse funcionado, a empresa não deveria estar atuando. Se funcionava, por que não procuraram o Corpo de Bombeiros para fazer a vistoria?”, questionou.
Ferreira considera que houve uma ‘árvore de falhas’, na circunstância das explosões da Oxigênio Centro Norte e que as responsabilidades do caso têm de ser compartilhadas proporcionalmente.
“A legislação é clara quando exige que essas fiscalizações. Cada entidade, seja a empresa, prefeitura, governo, Corpo de Bombeiros e Defesa Civil deve responder à medida sobre porque as vistorias não foram feitas nos prazos”, declarou.
A organização ainda espera pela divulgação da perícia oficial sobre o que teria causado o sinistro, mas trabalha com a possibilidade de o cilindro ter acumulado muita pressão ou que um dos objetos possuísse falha ou desgaste, além de que a explosão pudesse ter iniciado por contato de oxigênio com algum componente químico derivado do petróleo.
Um dos funcionários da empresa que sobreviveu ao desastre relatou à Defesa Civil e à perícia que não houve incêndio antes das explosões.