Deportação por desobediência a fechamento da fronteira viola Lei de Migração, defendem entidades

Organizações brasileiras divulgaram nota técnica alertando sobre as consequências do fechamento da fronteira terrestre brasileira com países sul-americanos, dentre eles Venezuela e Guiana, e da restrição de acesso de migrantes que buscam refúgio no Brasil diante da pandemia do novo coronavírus.

Na terça-feira, o Governo Federal determinou a restrição excepcional e temporária da entrada de pessoas oriundas da Venezuela no Brasil. De acordo com a portaria nº 120, da Casa Civil e dos Ministérios da Saúde e da Justiça e Segurança Pública, a determinação veio a partir de uma orientação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Dois dias depois, em nova portaria, de número 125, a decisão foi estendida a pessoas oriundas de outros oito países fronteiriços com o Brasil.

As entidades pedem para que as medidas tomadas pelas autoridades brasileiras como reação à pandemia “não tenham caráter discriminatório contra populações em situação de vulnerabilidade e que contam com a acolhida do Estado brasileiro”. Requerem ainda a imediata revogação das Portarias nº 120 e nº 125 ou sua adequação aos princípios e normas do Direito Internacional.

Assinam a nota as organizações Missão Paz, Conectas Direitos Humanos, Fundação Avina, Cáritas Brasileira, Cáritas São Paulo, Instituto Migrações e Direitos Humanos, Ficas, Centro de Atendimento ao Migrante, Serviço Jesuíta a Migrante e Refugiados e Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante.

Deportação por desobediência

As entidades destacam preocupação com a previsão – em ambas as portarias – de deportação do estrangeiro em caso de desobediência. “A deportação é medida administrativa de retirada compulsória prevista pela Lei de Migração aplicada às pessoas que se encontram em território nacional em situação migratória irregular. No entanto, só deve ser aplicada após procedimento administrativo previsto na própria lei, respeitados os princípios da ampla defesa, contraditório e devido processo legal. Ao prever a deportação imediata, a Portaria viola essas garantias além de inovar o ordenamento jurídico ao criar modalidade de medida de retirada compulsória imediata sem que haja respeito ao procedimento já existente”.

Frisam ainda que a medida gera o risco de deportações coletivas, prática expressamente repudiada e vedada pela Lei de Migração. Quanto à responsabilização do estrangeiro infrator, as organizações reforçam que a legislação classifica a entrada irregular em território nacional como infração administrativa sujeita a multa e outras penalidades administrativas, mas nunca à “responsabilização penal” do imigrante. “Trata-se, portanto, de dispositivo ilegal ao contrariar norma hierarquicamente superior a essa Portaria”.

Restrição da entrada no Brasil

Quanto a restrição do ingresso em território nacional, as entidades reforçam que a medida deve ser alicerçada em recomendação técnica e fundamentada das autoridades sanitárias nacionais, sob pena de caracterizar mera restrição do direito à mobilidade humana.

Sobre a nota técnica da Anvisa, citada na Portaria nº 120, afirmam que foram necessárias solicitações formais de órgãos, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos, para que a agência a disponibilizasse, em 17 de março. “É preocupante que nela não haja referência a informes da área técnica do próprio governo de Roraima ou de escritório da Anvisa que tenha ido a campo efetuar análises e estudos”, acrescentam.

A Portaria nº 125, argumentam as entidades, incorre “na mesma prática não-transparente de informar”, uma vez que a nota técnica não está disponível no site da Anvisa.

Chamou a atenção das entidades que as medidas de restrição foram impostas apenas à Venezuela, em um primeiro momento, país sequer reconhecido como área de risco para o novo coronavírus. “Embora a Portaria nº 125 amplie para outros países fronteiriços, cabe destacar o caráter discriminatório da decisão adotada pelo Brasil por meio da Portaria nº 120”.

Apontam ainda que: “o tratamento diferenciado e discriminatório dado à Venezuela provoca ainda maior consternação pelo próprio entendimento do Estado brasileiro de reconhecer a condição de refugiadas às pessoas vindas deste país em virtude de sua situação de grave e generalizada violação de direitos humanos. Ao invés de estabelecer medidas de prevenção e cuidado no ponto de chegada na fronteira, a primeira providência adotada pelo governo brasileiro foi justamente a mais drástica, impondo restrições relativas às pessoas que solicitam proteção internacional em seu território”.

Citam postura defendida pela Agência da ONU para Refugiados, de que os países incluam testes das pessoas que chegam ao seu território e até mesmo a determinação de quarentena. “Negar vigência ao princípio da não devolução, além de violar o Direito Internacional, colocaria as pessoas ‘em órbita’ em busca de um Estado que as receba, contribuindo com a disseminação da doença”.

E mencionam a União Europeia, que em decisão recente limitou todas as viagens consideradas não essenciais em seus países, com exceção as pessoas que se deslocam pela necessidade de proteção internacional ou por outras razões humanitárias, dentre outros casos.

Sair da versão mobile