Caixas com atividades escolares atravessam a fronteira e educação chega a alunos na Venezuela

Uma vez por mês, uma verdadeira força-tarefa em prol da educação é realizada em Pacaraima, na fronteira Brasil-Venezuela. Com as aulas presenciais suspensas desde março deste ano em decorrência da pandemia do novo coronavírus, a alternativa encontrada pelos educadores do município para alcançar os alunos sem acesso à internet foi a elaboração de apostilas.

Simultaneamente à paralisação das aulas presenciais, a fronteira terrestre entre os dois países foi fechada. Mas nem isso impediu que caixas e mais caixas com atividades pedagógicas cruzassem a fronteira e chegassem a quase 700 alunos brasileiros e venezuelanos que moram em Santa Elena de Uairén.

O material apostilado, acompanhado de lápis de cor, caneta, caderno e borracha, é destinado a estudantes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental de uma creche e de três escolas da rede municipal de ensino. Os professores preparam as atividades, organizam-nas em caixas identificadas pelo nome da escola, nome do professor, ano e turma.

Caixas são identificadas por nome da escola, do professor, ano e turma (Foto: Deborah Grajzer)

As caixas são recolhidas nas escolas por dois veículos brasileiros, que vão até o limite entre os dois países. Lá, com apoio da Polícia Federal e da Receita Federal, do lado brasileiro, e da Guarda Nacional Bolivariana e do Exército Nacional da Venezuela, do país vizinho, as caixas são higienizadas e transferidas para um caminhão de placa venezuelana. Dentro das caixas, as atividades são protegidas por sacolas plásticas e não correm o risco de molhar.

Professores e servidores da Secretaria Municipal de Educação de Pacaraima que residem em Santa Elena fazem a entrega das atividades para os pais dos alunos. “Os estudantes ficam emocionados quando recebem as atividades e eu me sinto contente e realizado em fazer isso. Na última entrega, um aluno levou bombons como forma de agradecimento”, relatou José Luiz, professor da Escola Municipal Casemiro de Abreu e que mora na cidade venezuelana.

A força-tarefa é realizada desde julho e a previsão de entrega das últimas atividades é para março de 2021. Toda vez que um material é entregue aos alunos a atividade anterior é devolvida para correção, percorrendo o caminho de volta até chegar às mãos dos professores.

Maria de Jesus Vieira Gomes, do Departamento de Ensino da Secretaria de Educação de Pacaraima, avalia que as atividades direcionadas tiveram boa aceitação e participação das famílias dos estudantes. “É muito gratificante participar desse projeto, desde a elaboração dos materiais, feitos com carinho para que os alunos que estão em outro país mantenham a rotina de estudos. Muito bom ver os educadores envolvidos”.

Dos mais de 3.350 alunos matriculados na rede municipal de ensino, 3.023 são atendidos com as atividades impressas, seja na cidade de Pacaraima, nas comunidades indígenas e rurais ou em Santa Elena. Esses correspondem a 20% do total de alunos.

Para Deborah Grajzer, doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e que atualmente realiza uma consultoria para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) sobre obstáculos à escolarização de migrantes indocumentados no Brasil, a iniciativa é excelente.

“Além de manter os vínculos com a escola, o processo de aprendizagem acaba alcançado muitos estudantes que não teriam acesso às atividades se essas fossem on-line, devido à falta de internet e de computadores. Foi uma experiência única e emocionante, enquanto pesquisadora, participar das entregas e acompanhar a dedicação de servidores e professores da rede pública de Pacaraima, que se reinventaram para atender os estudantes durante a pandemia, confeccionando materiais e elaborando toda uma força-logística para que essas atividades pudessem chegar até os lares de crianças e adolescentes, independentemente de viverem em Pacaraima ou do outro lado da fronteira”.

Última entrega das atividades foi realizada dia 23 de outubro (Foto: Deborah Grajzer)

Para o retorno às aulas presenciais, a Secretaria de Educação aguarda resoluções dos Conselhos Nacional e Estadual de Educação. Parecer do CNE, de outubro, autoriza as atividades não-presenciais para todos os níveis de ensino até 31 de dezembro de 2021.

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