Há um ano, o Brasil e o mundo vivem a pandemia causada pelo novo coronavírus. Durante este período, a cloroquina (CQ) e a hidroxicloroquina (HCQ), medicamentos respectivamente utilizados para casos de artride reumatoide e para o tratamento da malária foram sugeridos à população brasileira como alternativas para tratamento devido à sua atuação no sistema imunológico e o baixo custo.
Além disso, como solução terapêutica de curto prazo, um caminho natural foi a busca por agentes com ação inibidora viral in vitro, como foi o caso da ivermectina. Esses medicamentos inclusivem foram e continuam sendo recomendados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e pelo governo federal em uma diretriz de tratamento nacional, mesmo sem evidências científicas definitivas sobre sua eficácia e segurança.
Com o objetivo de avaliar a segurança e eficácia destas drogas nas formas graves da Covid-19, pesquisadores da Universidade Federal de Roraima (UFRR), em conjunto com médicos infectologistas do Hospital Geral de Roraima (HGR), a maior unidade de referência do estado, realizaram um ensaio clínico randomizado, duplo-cego comparativo destas drogas em 167 casos graves de Covid-19 de pacientes hospitalizados na unidade hospitalar, no período de 1º de maio a 16 de julho de 2020.
Trabalharam 19 pesquisadores na investigação. O resultado foi publicado na revista científica inglesa Pathogens & Global Health, especializada em epidemiologia, e também disponível na Nacional Library Medicine, dos Estados Unidos.
O estudo apontou que, embora os medicamentos revelem perfil de segurança favorável, eles não reduzem a necessidade de oxigênio suplementar, admissão em UTI, ventilação invasiva ou óbito, em pacientes hospitalizados com uma forma grave de Covid-19.
A mortalidade foi semelhante em três grupos (22,2%; 21,3% e 23,0%), sugerindo a inefetividade dos medicamentos.
A maioria dos participantes do grupo pesquisado foi do sexo masculino, com idade média de 53,4 anos, cujas condições clínicas mais comuns eram hipertensão arterial sistêmica (43,4%), diabetes mellitus (28,1%) e doenças pulmonares crônicas prévias (5,3%).
A apresentação clínica sindrômica mais comum na admissão hospitalar foi a insuficiência respiratória (76,5%), seguida de síndrome pneumônica (42,5%).
O professor Allex Jardim da Fonseca, coordenador da pesquisa clínica, reforça que até o momento, o país persiste na busca de medicações que possam tratar efetivamente a doença que vem devastando famílias em Roraima e no Brasil. “Estávamos com muita esperança nestas medicações, mas infelizmente os dados científicos não apontaram para a eficácia que esperávamos”, declara.
Metodologia da pesquisa
Os participantes do estudo receberam por via oral ou sonda nasoentérica (para aqueles que não conseguiam engolir os comprimidos) os seguintes medicamentos: difosfato de cloroquina, sulfato de hidroxicloroquina ou ivermectina.
Os produtos da investigação foram produzidos às cegas por uma farmácia independente, assim como os comprimidos de placebo, com o objetivo de padronizar o tratamento e o “cegamento” da equipe de pesquisa e dos participantes.
Ou seja, para garantir a lisura da avaliação, nem os participantes, nem os médicos pesquisadores, nem o analisador dos dados sabiam qual medicação cada paciente estava tomando até o fim do estudo.
Para dar ainda mais transparência à pesquisa, um estatístico independente gerou eletronicamente uma lista aleatória, a qual vinculava o participante em ordem cronológica de inclusão ao frasco de tratamento numerado, às cegas. Um farmacêutico não cego foi o responsável por atribuir a intervenção (único profissional não cego, mas não tinha contato com participantes ou com os pesquisadores).
As informações sobre o produto foram restritas ao farmacêutico não cego, na tentativa de minimizar o viés do observador. A quebra do cegamento estava disponível para os membros do DSMB (comitê de monitoramento de dados) em caso de eventos adversos graves.
Para os participantes que participaram da pesquisa e receberam alta, o estado vital e os dados clínicos foram avaliados, para segurança e avaliação dos resultados, até o dia 90 após o início das medicações.
Os principais resultados
Os pesquisadores, embora tenham encontrado um perfil de segurança favorável para os três medicamentos, em termos de toxicidade cardíaca, hematológica e hepática, não identificaram benefícios em termos de redução da necessidade de oxigênio suplementar, ventilação mecânica ou mortalidade para os grupos tratados com hidroxicloroquina, cloroquina e ivermectina em pacientes já hospitalizados com forma grave da doença.
A mortalidade foi muito semelhante nos três braços (variando de 21,3% a 23,0%), sugerindo que os três medicamentos são igualmente ineficazes neste cenário. As taxas de mortalidade dos três grupos são muito semelhantes aos relatos históricos de outros estudos científicos que utilizaram placebo em pacientes hospitalizados, reforçando a hipótese de inefetividade.
Também não houve diferença significativa entre as proporções e médias das variáveis clínicas e demográficas entre os grupos de tratamento, exceto por uma proporção maior de não fumantes no grupo que foi medicado com cloroquina em comparação com o grupo que tomou Ivermectina (56,6% vs 37,2%, respectivamente).
Os pesquisadores também observaram que dentre os participantes aproximadamente 90% precisou de suplementação de oxigênio em algum momento durante a hospitalização, e não houve diferença no número médio de dias de necessidade de oxigênio suplementar.
A necessidade de drogas vasoativas (medicamentos para manter a pressão arterial, cuja necessidade marca gravidade do caso) também foi semelhante entre os grupos, variando entre 20,6% e 28,0%, sem diferença estatisticamente significativa, assim como a necessidade de ventilação invasiva (respirador mecânico).
A correlação entre as variáveis na admissão hospitalar e a mortalidade também mostrou que ter mais de 60 anos aumentou a mortalidade em relação aos mais jovens (37% versus 15%, respectivamente), e com aqueles com mais de 70 anos, o risco de morte mais que dobrou.
Aspectos éticos
O estudo foi registrado no REBEC, banco de dados de ensaios clínicos brasileiros, em fevereiro de 2020. Um Comitê de Monitoramento e Segurança de Dados (DSMB) independente virtual, com epidemiologistas, cardiologistas e especialistas em doenças infecciosas, foi implementado para revisar o protocolo e os resultados preliminares a cada 50 participantes. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da UFRR.
“Nossa equipe agradece enormemente aos pacientes e familiares que acreditaram em nossa equipe e aceitaram participar do estudo e contribuir para a ciência. Mas um resultado negativo ainda é importante, sobretudo para não postarmos esperanças em medicações que não mudam a evolução natural da forma grave da doença”, agradece o pesquisador Allex Jardim.
Reconhecimento Internacional
O estudo publicado pelos pesquisadores da UFRR em conjunto com o Hospital Geral de Roraima foi o único estudo brasileiro a ser selecionado para contribuir com a meta-análise (estudo secundário que reanalisa resultados de múltiplos estudos randomizados para gerar uma diretriz de tratamento) realizada por uma Universidade da Inglaterra.
Esta meta-análise selecionou 27 ensaios clínicos de 17 países, totalizando dados de 3.734 pacientes tratados em todo o mundo, com foco na ação da Ivermectina no tratamento da Covid-19. A meta-análise denominada “Meta-analysis of clinical trials of ivermectin to treat Covid-19 infection” foi liderada pelo Prof. Dr. Andrew Hill da Universidade de Liverpool, Reino Unido
Conforme Allex Jardim, “a seleção de nosso estudo para essa importante meta-análise internacional comprova que é possível fazer ciência de qualidade, mesmo em situação de baixo recurso. Uma equipe dedicada e bem treinada, além do compromisso ético, foi essencial para esta contribuição genuinamente roraimense à literatura médica internacional”, conclui.
Todos sabem, é de conhecimento público que esses remédios estão sendo usados de forma preventiva. Até o presente momento nenhuma droga é totalmente eficaz contra o Corona Vírus. Incrível que resistência reconhecer isso, única forma que as pessoas ainda tem pra se proteger de uma praga tão devastadora.