Essequibo belongs to Guyana. A afirmação de que “Essequibo pertence à Guiana” é lida por quem chega a Lethem, assim que atravessa a fronteira com o município roraimense de Bonfim. Andando pela cidade, vê-se também bandeiras do país em postes de iluminação e à venda nas lojas, adesivos em apoio à Guiana e outdoors em nome do presidente Irfaan Ali.
A região de Essequibo – uma área de 160 mil quilômetros quadrados, localizada a oeste do rio de mesmo nome, e que hoje corresponde a cerca de 75% do território da Guiana – está sendo reivindicada pela Venezuela. No início de dezembro, um referendo aprovou a incorporação de Essequibo à Venezuela e, dois dias depois, o presidente Nicolás Maduro determinou a criação de um estado na Guiana.
Porém, para o pesquisador e professor aposentado do curso de História da Universidade Federal de Roraima, Reginaldo Gomes de Oliveira, a decisão é unilateral e não tem respaldo jurídico internacional. “Perante a Corte Internacional jurídica, esse referendo não tem respaldo nenhum. Esse barulho todo com relação a Essequibo, que o presidente da Venezuela faz, também é uma cortina de fumaça para a questão das eleições, que estão ocorrendo e que vão ser definidas no próximo ano”, afirmou durante entrevista ao programa “O Assunto é Gestão”, da Rádio Universitária.
O professor questiona ainda qual é o tamanho da população venezuelana atualmente. “Qual é o contingente hoje na Venezuela? Nós não temos essas informações. E nós sabemos que houve uma migração muito grande… Não há transparência na Venezuela com relação a essas ações”, disse. “Então os organismos internacionais também não estão acompanhando o que está acontecendo nesse momento em relação às eleições, às prévias para o próximo ano. E está todo mundo voltado para essa questão de Essequibo”, completou.
Questão histórica
Segundo Reginaldo Gomes de Oliveira, Essequibo foi colonizado pela República Neerlandesa (holandeses) a partir de 1616 e se estendeu até o século XIX. Com as guerras napoleônicas (1803-1815), Napoleão Bonaparte incorporou a República Neerlandesa à França. Após o fim da guerra, durante o Congresso de Viena (1814-1815), foram assinados diferentes tratados, reorganizando os territórios que tinham sido desmantelados pelas guerras napoleônicas.
“Outro desdobramento entre os variados acordos e alianças no referido Congresso foi a mudança geopolítica na ilha da Guiana. Decidiu-se que as três colônias neerlandesas, denominadas de Demerara, Essequibo e Berbice, deveriam ser entregues ao poder britânico. A República Neerlandesa, que estava anexada à França napoleônica, foi decretada independente”, escreveu o professor no livro “Amazônia Caribenha: processos históricos e os desdobramentos socioculturais e geopolíticos na ilha da Guiana”. Em 1831, as três colônias se uniram, transformando-se em Guiana Britânica (ou Inglesa).
Sem definição do limite ocidental da Guiana Inglesa, o Reino Unido encarregou, em 1840, o explorador alemão Robert Schomburgk de traçar um mapa com os limites fronteiriços, inclusive com a Venezuela. O resultado ainda hoje é conhecido como Linha Schomburgk, que localiza a fronteira da Venezuela na foz do rio Orinoco. No ano seguinte, a Venezuela reagiu afirmando que lhe foram tirados seus territórios localizados a oeste de Essequibo.
Anos depois, Reino Unido e Venezuela concordaram que a área disputada não seria ocupada e a definiram como território disputado. Em 1899, a fronteira foi demarcada pelo Tratado Arbitral de Paris, que concedeu ao Reino Unido a soberania sobre toda a área em disputa e deixou à Venezuela uma porção de terra ao sul e a foz do rio Orinoco. No início do século XX, foram colocados os marcos físicos na fronteira.
Conforme o pesquisador, com a ascensão de Hugo Chávez, ele retomou o tom patriótico bolivariano e desejou questionar a fronteira, para incorporar a região de Essequibo à Venezuela. “Ele começou a fazer uma divulgação de mapas da Venezuela com a região de Essequibo como área de reclamação. E, anos depois, Maduro traz isso de maneira mais incisiva, principalmente a partir de 2015, quando foi descoberto petróleo na região”, explicou.
E Roraima?
No meio da tensão entre Venezuela e Guiana, está Roraima, Estado brasileiro localizado na tríplice fronteira. “Se houver, de fato, uma guerra, nós estamos no meio e inseridos sem querer”, comentou Reginaldo Gomes de Oliveira. “Roraima é o único caminho por terra por onde as tropas de Maduro teriam que passar para ocupar efetivamente a região de Essequibo. A fronteira Venezuela-Guiana tem uma muralha de serras, onde está o Monte Roraima, e seguindo mais a leste tem o Monte Caburaí”, acrescentou.
No sábado (9), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um telefonema de Maduro e, segundo nota do Palácio do Planalto, “transmitiu a crescente preocupação dos países da América do Sul sobre a questão do Essequibo e fez um chamado ao diálogo”.
Já o Exército Brasileiro mantém o monitoramento e o efetivo de prontidão “para garantir a inviolabilidade das fronteiras”. “Foi antecipado um reforço de tropas e meios de emprego militar nas cidades de Pacaraima e Boa Vista. Além disso, a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, com efetivo de quase dois mil militares, intensificou a presença na faixa de fronteira, visando atender à missão de vigilância e proteção do território nacional”, informou em nota.
Ainda conforme o Exército, o Esquadrão de Cavalaria Mecanizado foi transformado em Regimento de Cavalaria Mecanizado, resultando em um aumento do número de militares na área e envio de 16 viaturas blindadas multitarefa 4×4 (guaicurus), que serão deslocadas do Sul e do Centro-Oeste para Roraima, ao longo do mês de dezembro.