Até 5 de março, mais de 1,2 milhão de casos prováveis de dengue foram registrados no Brasil. Nesse período, 299 óbitos pela doença foram confirmados e 765 estão em investigação, de acordo com o Painel de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde.
Em Roraima, o número de casos prováveis nas primeiras semanas de 2024 (279) já superou o registrado em todo o ano de 2023 (237). A situação é semelhante no Amapá, Amazonas, Goiás, Rio de Janeiro e Distrito Federal.
Mais da metade dos casos prováveis (58,6%) são em mulheres, enquanto os homens representam 41,4%. Pessoas de 40 a 49 anos são as mais afetadas (69 casos), seguidas por pessoas de 30 a 39 anos (60 casos). Não há óbitos confirmados ou em investigação no Estado.
A doença é considerada um sério problema de saúde pública e provavelmente ainda não atingiu o seu pico. Até o final do ano, estima-se que o Brasil registre cerca de 4,2 milhões de casos de dengue. Vários fatores influenciam para a explosão de casos, desde as mudanças climáticas até a volta de circulação de outros sorotipos. Apesar disso, é possível prevenir a doença e evitar as mortes, com medidas básicas de prevenção e abordagem clínica correta.
Confira as principais recomendações de médicos infectologistas, ouvidos pela Agência Einstein, sobre a doença, passando por transmissão, sintomas, tratamento e prevenção:
1 – O que é a dengue?
A dengue é uma doença infecciosa viral que faz parte de um grupo de doenças denominadas arboviroses. Ela representa um grande problema de saúde pública não apenas no Brasil, mas também em vários países da América Latina. É transmitida pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti.
Segundo a infectologista Emy Akiyama Gouveia, do Hospital Israelita Albert Einstein, pessoas de qualquer idade podem se contaminar, porém as gestantes, pessoas com mais de 65 anos, indivíduos com comorbidades e crianças até dois anos têm o risco aumentado de desenvolverem a forma mais grave da doença e apresentar outras complicações, entre elas, o óbito.
É importante ressaltar que o mesmo mosquito da dengue também pode transmitir outras doenças virais importantes, como Chikungunya e Zika. Por isso, é essencial fazer o diagnóstico correto e buscar o auxílio médico adequado.
2 – Existem tipos diferentes de dengue?
Sim. O vírus da dengue possui quatro sorotipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 e não apresentam diferenças clínicas. Nem todos os subtipos circulam ao mesmo tempo. Nos últimos anos, os sorotipos 1 e 2 foram os mais prevalentes. Em alguns estados, há a circulação do sorotipo 4 e, após 15 anos, o sorotipo 3 começa a ser detectado.
3 – Como ocorre a transmissão da doença?
O mosquito se adaptou ao ambiente urbano e se reproduz principalmente em depósitos de água limpa e parada. Apesar disso, o mosquito evoluiu e adquiriu capacidade de proliferação em água com matéria orgânica. Seus ovos são depositados nas paredes de recipientes como garrafas, bandejas de ar-condicionado, calhas entupidas, vasos de plantas, pneus e até de piscinas não utilizadas.
Os ovos são escuros e muito pequenos – do tamanho de um grão de areia – e conseguem resistir a um ambiente seco por cerca de um ano. No período de chuvas, os ovos eclodem e surgem as larvas, que evoluem para pupa e depois para a forma de mosquito adulto, em um processo que demora entre sete e dez dias. A partir de então, as fêmeas saem e picam os humanos.
4 – Toda picada de fêmea do Aedes transmite a doença?
Não necessariamente. A fêmea do mosquito Aedes aegypti tem que estar contaminada pela dengue para transmitir a doença. Isso pode acontecer após ela picar um humano contaminado e, se ela já estiver infectada quando puser seus ovos, há a possibilidade de as larvas nascerem com o vírus (um processo chamado de transmissão vertical).
5 – Quando surgem os sintomas?
Nem sempre a pessoa contaminada com dengue desenvolverá sintomas – ela pode ser totalmente assintomática ou apresentar um quadro leve, que passa praticamente sem perceber. Mas, em geral, após a picada do mosquito infectado, o indivíduo poderá desenvolver sintomas em um intervalo de três a 15 dias. Mas normalmente os sintomas surgem após cinco ou seis dias da picada.
6 – Em que momento uma pessoa com sintomas sugestivos de dengue deve procurar um serviço de saúde para diagnóstico?
De acordo com a infectologista do Einstein, todo indivíduo que apresente os sinais e sintomas sugestivos da doença deve procurar atendimento médico para avaliação de risco.
Se a pessoa apresentar febre alta repentina (entre 39º e 40º C) acompanhada de pelo menos dois desses sintomas (dor de cabeça intensa, dor atrás dos olhos, dor nas articulações ou nos músculos e prostração), ela deve procurar um serviço de saúde.
Se após o declínio da febre (entre o terceiro e o sétimo dia após o início da doença), outros sinais continuarem presentes (dor abdominal intensa e contínua, náusea e vômitos persistentes, manchas vermelhas pelo corpo, acúmulo de líquido nas cavidades corporais, sangramento de mucosas, letargia e irritabilidade), é preciso buscar novamente o serviço de saúde porque eles podem indicar a evolução para uma forma grave da doença e a piora do quadro.
7 – Como é feito o tratamento da dengue?
Não existe um medicamento específico para o vírus da dengue – o tratamento é baseado principalmente na reposição de líquidos e no controle de sintomas. Em geral, como a maioria dos casos é leve, a recuperação completa acontece em torno de dez dias.
8 – Quais medicamentos eu não posso tomar?
“Anti-inflamatórios não hormonais, como diclofenaco e ibuprofeno, não são indicados, além do ácido acetilsalicílico, pois eles podem favorecer os sangramentos”, explica a médica. Caso já utilize esses medicamentos, consulte seu médico.
9 – O que explica o aumento significativo no número de casos?
Ainda não é possível saber o que tem motivado o aumento de casos de dengue. De acordo com Gouveia, uma série de fatores contribuem e, entre eles, as alterações climáticas, com o regime de chuvas intensas e temperaturas secundárias ao aquecimento global, além da suscetibilidade da população – a circulação de novos sorotipos resulta em novas infecções.
“Lembrando que temos quatro sorotipos do vírus da dengue. A maioria das infecções nos últimos anos no Brasil foi pelos sorotipos 1 e 2. A chegada do sorotipo 3, que não circulava há cerca de 15 anos, encontrará indivíduos mais suscetíveis”, destacou a infectologista. Segundo ela, há também o descuido com as medidas de prevenção relacionadas aos focos de água parada.
Na avaliação do infectologista Luís Fernando Aranha Camargo, professor de infectologia da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, provavelmente o que acontece é uma combinação que envolve a falta de controle do vetor (que normalmente fica a cargo do município e do estado), as condições ambientais (o acúmulo de chuva e água não tratada) e o ciclo natural das epidemias, muitas vezes relacionadas com a imunidade.
Em anos com muitos casos de dengue, você acaba imunizando um pouco mais da população para o ano seguinte. Depois de certo tempo, com outro sorotipo circulando, você perde a imunidade de massa e isso aumenta o número de suscetíveis. Combinando todos esses fatores, você tem um ciclo explosivo de casos de dengue”, explicou o professor.
10 – Posso ter dengue várias vezes?
Sim. Como existem quatro sorotipos da doença, uma pessoa pode se contaminar até quatro vezes ao longo da vida – cada vez por um dos sorotipos. A recuperação da infecção por um sorotipo proporciona a imunidade vitalícia apenas contra ele.
11 – É verdade que uma segunda contaminação aumenta o risco de dengue grave?
Sim. A pessoa só garante a imunidade permanente contra o sorotipo pelo qual foi contaminada. Ao ser picada e contaminada novamente por qualquer um dos outros sorotipos da dengue, aumenta-se o risco de desenvolver a forma mais grave da dengue.
“Os quatro sorotipos da dengue não causam diferenças clínicas – os sintomas são os mesmos, independentemente do subtipo que contaminou a pessoa. O que ocorre é que, quando acontece a segunda infecção, há o maior risco de desenvolvimento das formas graves da doença por causa de fenômenos imunológicos. O termo correto é dengue grave, tendo em vista que nem sempre o paciente vai apresentar hemorragia”, destacou Gouveia.
12 – Quais são as formas de prevenção?
Uma das principais formas de prevenir a transmissão da dengue é o controle do mosquito vetor da doença – evite deixar água parada em recipientes, pneus, vasos, calhas. Estima-se que 80% dos criadouros do mosquito estão dentro das casas. O controle do mosquito vetor acontece por meio de ações dos órgãos públicos, com campanhas de orientação e visitas dos agentes de saúde às casas em busca de criadouros e por meio das ações pessoais.
13 – E a vacina contra a dengue?
A vacinação é mais uma importante ferramenta na busca pelo controle da doença, que continua causando a epidemia no Brasil. Ela ainda não está amplamente disponível para todas as pessoas. Por enquanto, a vacina será oferecida em regiões que tiveram altas taxas de transmissão da doença. Crianças e adolescentes de 10 a 14 anos são o público-alvo da campanha.
14 – O uso de repelentes protege contra a picada do mosquito?
Existem dois tipos de produtos usados para repelir o mosquito da dengue: os repelentes para aplicação na pele e aqueles para uso no ambiente.
Os repelentes para uso na pele são enquadrados na categoria “cosméticos” e devem obrigatoriamente estar registrados na Anvisa. “Se for usar um repelente na pele, siga sempre as instruções do fabricante e faça a reaplicação de acordo com a indicação. Para a aplicação da forma spray no rosto ou em crianças, o ideal é aplicar primeiro na mão e depois espalhar no corpo, lembrando sempre de lavar as mãos com água e sabonete depois da aplicação. Em caso de contato com os olhos, é importante lavar imediatamente a área com água corrente”, explica a infectologista Gouveia. “Não há restrição de uso de repelentes por gestantes desde que o produto tenha registro na Anvisa. Elas precisam ter atenção, pois é uma população de risco para evolução para complicações”, disse.
No caso do uso de produtos para o ambiente, como inseticidas e repelentes de tomada, são indicados para matar e afastar mosquitos adultos, respectivamente. Mas a Anvisa faz um alerta importante: os repelentes em aparelhos elétricos ou espirais não devem ser utilizados em locais com pouca ventilação nem na presença de pessoas com asma ou alergias respiratórias.
15 – Repelentes “naturais”, como citronela, funcionam?
De acordo com a Anvisa, os inseticidas chamados “naturais”, à base de citronela, andiroba e óleo de cravo, entre outros, não possuem comprovação de eficácia. Ou seja, as velas, os odorizantes de ambientes e os incensos que indicam propriedades repelentes de insetos não estão aprovados pela agência para esse fim.
16 – Existem outras medidas caseiras que podem ajudar a prevenir o mosquito?
As medidas caseiras recomendadas de prevenção são: manter ralos desobstruídos e limpos e, caso apresentem água parada, eles devem ser tampados (as caixas-d’água também devem ter tampadas). Não deixar qualquer tipo de recipiente com água acumulada, como vasos de plantas, garrafas e copos. Olhar as calhas e as lajes para que não tenham água acumulada. Usar telas mosquiteiros nas janelas e portas também auxilia no controle.
As pessoas devem ficar atentas a todos os locais em casa que podem acumular água parada, como banheiros pouco utilizados, onde o vaso sanitário fica destampado. Além disso, alguns refrigeradores podem acumular água em bandeja, que não é visível. É importante saber que, sempre que encontramos um Aedes em nossa casa, algum foco está próximo, pois ele não se distancia muito do local onde se proliferou”, disse Gouveia.