A possibilidade de comunidades indígenas desenvolverem atividades de mineração e agropecuária em seus territórios causa divergências entre lideranças indígenas. Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) recebeu três líderes indígenas de Roraima, que apoiam a proposta. Em resposta, seis Associações indígenas afirmaram ser contra a ideia.
Durante visita a Roraima, há uma semana, o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Nabhan Garcia, já tinha falado sobre essa possibilidade de “transformar indígenas em produtores rurais”.
A reunião de Bolsonaro com lideranças indígenas de três regiões brasileiras foi transmitida via Facebook na quarta-feira, dia 17. Também participaram do encontro o senador por Roraima Chico Rodrigues (DEM), o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Franklimberg Ribeiro de Freitas, e Nabhan Garcia.
Bolsonaro fez duras críticas à parte das organizações não-governamentais, que atuam em áreas indígenas, e também a servidores federais, como do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que multam os indígenas, como teria acontecido no Mato Grosso. “ONG tem que tá fora do aparelho do Estado”, disse o presidente.
Abel Barbosa, líder indígena da comunidade do Flexal, disse que estava em Brasília em busca de apoio do presidente. “Estamos em cima da riqueza e continuamos pobres (…) Nunca tivemos oportunidade de conversar com presidentes passados. Nós queremos o desenvolvimento de Roraima, pela agricultura em grande escala, queremos vender, exportar”.
Ele continuou a fala criticando ações da Polícia Federal e ONGs e da ausência da Funai. “A PF não quer [a mineração]. Vamos amarrá-los de novo, como já aconteceu no Flexal. Tem gente querendo ser representante de índio, mas ão queremos mais as ONGs. A Funai não faz nada. Índio não pode ser fazendeiro. Por que será?”, questionou.
Respondendo às críticas de Abel, Bolsonaro disse que o povo indígena tem que dizer o que a Funai deve fazer. “Se não for assim, eu corto a direção da Funai (…) Fui três vezes a Roraima. Tem uma tabela periódica embaixo da terra e o índio tem o direito de explorar isso, de maneira racional. Não pode continuar sendo pobre em cima da terra rica”, frisou, acrescentando que “ONGs que trabalham contra os índios são inimigas”.
Timóteo, liderança indígena Yanomami, também criticou a Funai, afirmando que o órgão não visita as comunidades e que não tem apoio para educação, esporte e saúde. Ele pediu a legalização da mineração em áreas indígenas e que “não quer os brancos mexendo com garimpo”.
Nesse momento, Bolsonaro citou que o garimpo é uma atividade legal e que, “em alguns locais em que [a atividade] não é legal, tem que legalizar”. “Meu pai foi garimpeiro. Parte da minha vida, garimpei por esporte. Não só com bateia, mas também com jogo de peneira”, recordou. “A Terra Indígena Yanomami é muito rica. Por isso, tem ONG defendendo índio lá. Se fosse uma terra pobre, não teria ninguém. Como é rica, tem esses picaretas dizendo que protegem vocês. Queremos regularizar isso daí em pouco tempo”.
A terceira liderança indígena de Roraima, Edineia, da Raposa Serra do Sol, explicou que os indígenas estão se organizando em cooperativas para atuar na mineração, agricultura e piscicultura. “Mas a gente trabalha com medo, como se a gente tivesse roubando da nossa própria terra. Exército e Polícia Federal chegam, quando nossos indígenas estão trabalhando, quebram a bateia, machucam o ouro”. Bolsonaro respondeu que iria conversar com os ministros da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, para balizar as ações.
Por fim, Chico Rodrigues comentou que o indígena tem o direito de estar incorporado a tudo o que o não-indígena também precisa. “O Congresso Nacional está preparado para votar todos esses projetos que forem para melhorar essa convivência”, garantiu.
O presidente da República concluiu o vídeo, de quase 40 minutos, reiterando que os indígenas devem se sentir fortalecidos, pois “são tão capazes quando os brancos”. “Sabem que tem um braço estendido a eles”, finalizou.
Contrários
Em resposta ao vídeo de Bolsonaro, representantes de associações da Terra Indígena Yanomami se manifestaram, também em um vídeo publicado no Facebook, na sexta-feira. Eles afirmam que o indígena Yanomami que conversou com o presidente não representa o povo Yanonami.
Uma líder indígena se mostrou contra a fala de Timóteo. “Não concordo com a fala dele. O governo brasileiro não ajuda a Funai, não dá recursos. Presidente, não queremos que a Funai seja extinta”.
Roberval, outra liderança indígena, refutou a ideia de que os indígenas são pobres. “Não precisa vender a sua terra, a sua riqueza. Queremos manter ela viva, com saúde. Ouro tem que ficar lá embaixo. Queremos renda, mas que seja feita de acordo com nossos desejos, com os projetos pensados para isso. Precisamos pensar no futuro do povo Yanomami”.
Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami, afirmou que a reação é para defender o nome dos Yanomami. “Respeito. Queria que o senhor respeitasse o nome do povo Yanomami, falando que tá passando fome, que tá sofrendo. Ninguém tá sofrendo, ninguém tá passando fome, ninguém tá precisando de ajuda do governo”.
“O senhor é presidente do País, tem que ser honesto. Não tá mostrando o caminho bom, o trabalho bom. Tá mostrando o trabalho sujo, a garimpagem. Não precisamos criar boi não. Já temos a nossa alimentação, o usufruto da nossa mãe, da floresta, aonde nascemos e vivemos (…) Não queremos que a autoridade estrague a nossa floresta”.
Davi citou que os indígenas têm direitos. “O povo Yanomami tem organização. Somos sete associações Yanomami e estamos preparando as nossas ferramentas, com documento, escrever na mão, na máquina. A nossa arma é pela boca”, finalizou.