A proposta de instituir um toque de recolher a venezuelanos que estejam na rua, em situação suspeita depois das 22 horas, divide opiniões entre os próprios imigrantes. A ideia é do vereador Vavá do Thianguá (PSD), que ainda será debatida em audiência pública na Câmara Municipal de Boa Vista.
Jorge Páez, de 55 anos, Miguel e Cesar Castilho, irmãos de 48 e 50 anos, são alguns dos venezuelanos que dormem sob a marquise de uma loja nas proximidades da Rodoviária Internacional de Boa Vista. Eles concordam com o toque de recolher, mesmo vivendo na rua atualmente.
Os três se conheceram em Pacaraima, há cerca de três meses, e agora andam juntos pela cidade em busca de emprego ou de uma diária como pedreiro. “Se tivéssemos trabalho, alugaríamos uma casa para morar”, conta o mais velho do trio.
Quem também dorme no mesmo local é Irmarys Raymar Cabrera Guzmáz, de 27 anos. Ela, o marido e os filhos – de três meses, dois anos e seis anos – são da Ilha de Margarita, no estado de Nueva Esparta. “[A proposta] me parece perfeita, mas é uma contradição. Para onde eu vou?”, questiona a venezuelana que espera uma vaga em um dos abrigos da Operação Acolhida. A família é a 600º na fila de espera.
Irmarys concorda com o toque de recolher, pois “há algumas pessoas ruins”. “Não são todas. Mas [o toque de recolher] seria bom por causa do que acontece na rua… Roubos, prostituição, drogas”.
Para um grupo maior de venezuelanos, que dormem nas proximidades da Rodoviária, a medida parece injusta. “Os que não querem trabalhar causam problema”, diz um deles. “Nunca imaginei que meu país fosse passar por isso. Estou aqui porque quero trabalhar”, completa outro imigrante.
Mostrando a mochila, onde carrega todos os pertences, Luís Renault comenta que os conterrâneos são seres humanos, não animais. “Olham para mim e acham que sou pilantra”. Outro imigrante sugere que os jovens venezuelanos sejam profissionalizados, para que cooperem com o Estado.
Quem está com a vida estabelecida em Boa Vista também é contra o toque de recolher. É o caso da balconista Maristela Gallardo, de 24 anos. Ela acredita que a medida proposta pelo vereador é xenofóbica e ‘não deveria ser discutida por gente séria’.
“Eu moro há dois anos aqui [em Boa Vista]. Estudei, trabalho, tenho minha família e pago meus impostos aqui no Brasil. Não faz sentido existir uma lei dessa para mim nem ninguém. É preconceito e pelo que eu entendi não faz distinção de ninguém, mas eu tenho direito de ir para onde eu quiser na hora que eu quiser”, disse.
O mecânico Pedro Gutiérrez, 21 anos, ainda tentou achar uma justificativa para o projeto de lei proposto pelo vereador. “Eu como venezuelano entendo que tem muita gente que faz coisas ruins e todo mundo na cidade está cansado, com medo. Eu morei em um abrigo e no redor junta gente má na rua. É por isso. Mas você está me dizendo que isso é para todo venezuelano? Aí nesse caso eu acho que é ruim, não é? Como eles [guardas municipais] vão fazer esse controle? Olhando para a cara da pessoa? Só isso?”, indagou.