Em mais uma manhã de altas temperaturas em Boa Vista, Yorbelis Cumuxchina coloca seu bebê em uma banheira de plástico embaixo das árvores, na tentativa de aliviar o calor, enquanto espera para telefonar para a sobrinha que mora em Manaus. Como tantos migrantes venezuelanos que chegam ao Brasil diariamente, ela tenta se adaptar ao novo país e diminuir a saudade de quem está longe.
Yorbelis é uma das dezenas de migrantes beneficiados pelo programa Restabelecimento de Laços Familiares (RLF), do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, no abrigo São Vicente 2, um dos 13 novos postos do serviço em Roraima, estado na fronteira com a Venezuela. “Eu disse para minha sobrinha que só penso daqui para a frente, tenho minha família para cuidar”, comentou a venezuelana, que migrou com o bebê José e outros dois filhos.
Antes disso, a jovem havia tentado – sem sucesso – se comunicar com seus pais. “Eles moram em uma zona rural e a comunicação é muito difícil, ainda não consegui falar com ninguém lá”, lamentou.
No mesmo abrigo estão Elvis Sasa, Betzamar Sira e o pequeno Santiago, filho do casal. A família também ficou dias sem contato durante a viagem dela – acompanhada pela criança – até reencontrar o marido, que já estava em Boa Vista. Desde que chegou, Elvis usa o serviço RLF para telefonar para casa. Na última vez que ligou, queria notícias de seu filho de 10 anos, que foi operado de apendicite recentemente. O garoto não pôde acompanhá-lo para o Brasil e, por isso, ficou com a avó paterna.
A rodoviária internacional de Boa Vista também ganhou um novo posto programa Restabelecimento de Laços Familiares. Centenas de migrantes aguardam no local, compartilhado por várias organizações humanitárias, para emitir documentos, receber alimentos e entrar em contato com suas famílias.
“Falei com a minha mãe, a quem amo tanto… Há alguns dias não falava com ela, eu esperei para ligar quando já tivesse todos os meus documentos prontos”, contou Robert Catalano. Ele espera ter trabalho certo e saber onde irá morar para poder contar para a família na próxima vez que ligar para casa.
De acordo com o chefe do escritório do CICV em Boa Vista, Fernando Fornaris, a organização já atendeu pessoas migrantes que caminhavam até 10 quilômetros para tentar conversar com seus entes queridos que estão em outras cidades e países.
Ele ressaltou que, desde agosto, o número de postos de atendimento de RLF passou de três para 17, com o intuito de oferecer mais alternativas para que os imigrantes mantenham contato com as famílias. “A expansão do trabalho de RLF em Roraima é uma maneira de nos aproximarmos da população migrante, da mesma forma que nossos serviços tentam reduzir a distância entre eles e seus familiares”, enfatizou.
O CICV iniciou o programa de RLF no Brasil em julho de 2018, em Pacaraima. Desde então, mais de 230 mil ligações foram realizadas entre migrantes e seus familiares residentes em outras cidades brasileiras e no exterior. Só em setembro, cerca de 1.300 ligações por dia foram feitas nos 17 postos existentes no estado.
Programa do CICV
Em todo o mundo, muitas pessoas são afetadas por desastres naturais, conflitos e violência armada, contextos de migração e outras necessidades humanitárias. Com todo esse sofrimento, talvez uma das maiores angústias seja a separação de familiares e a incerteza sobre o que pode ter acontecido com um ente querido.
Neste âmbito, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha considera necessário fazer todo o possível para saber o paradeiro das pessoas buscadas e restabelecer o contato com seus familiares. O CICV oferece a possibilidade de restabelecer e manter o contato entre familiares por meio de serviços gratuitos, confidenciais e estritamente humanitários. Isso pode ser feito por ligações telefônicas, acesso à internet, recarga de telefones celulares e solicitações de busca.