A pesquisa quali-quantitativa “Perfil Socioeconômico da População Indígena Refugiada e Migrante Abrigada em Roraima”, realizada pela Fraternidade – Federação Humanitária Internacional com apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), confirmou que a falta de domínio da Língua Portuguesa é um entrave para que indígenas venezuelanos consigam emprego no Brasil.
Estima-se atualmente a presença de pelo menos 5.500 indígenas venezuelanos no Brasil. Destes, cerca de 2.500 estão em Roraima. A pesquisa coletou informações de 382 pessoas, com mais de 16 anos, que residem nos Abrigo Pintolândia, em Boa Vista, e Janokoida, em Pacaraima.
Do total de pessoas que participaram do diagnóstico, 367 responderam falar espanhol, o que corresponde à imensa maioria da população analisada (96%). Já 334 pessoas declararam ser falantes de warao (87%), enquanto 78 pessoas indicaram falar português (20%). Outras 19 pessoas declararam falar e’ñepa, o que corresponde ao número de indivíduos desta etnia presentes no abrigo Pintolândia (5%).
Os dados obtidos indicam que 69 indígenas entrevistados declararam não saber ler e nem escrever (18%). Já 67 pessoas informaram ter cursado até o 6º ano (17%), que corresponde ao Ensino Fundamental no Brasil. Outro dado significativo diz respeito ao número de pessoas que informaram ter concluído o bachiller, que corresponde ao Ensino Médio no Brasil. Assim, 55 pessoas (14%) são bachilleres. Oito pessoas declararam ter uma formação técnica (2%); nove declararam ter concluído um curso de graduação (2%) e 14 pessoas informaram ter iniciado a graduação, mas não concluíram o curso (3%).
E o certificado? Ficou na Venezuela
Dos Warao e E’ñepa que possuem formação de cursos realizados na Venezuela, 315 responderam que não possuem certificação (83%) e 65 responderam que possuem (17%). Dentre esses, não fica claro se estão de posse dos certificados atualmente ou se foram certificados, mas estes documentos ficaram na Venezuela. Apenas com o certificado em mãos, é possível iniciar o processo de validação desses documentos e o reconhecimento da formação dos indígenas no Brasil.
A formação das pessoas que declararam possuir certificados abrange uma gama de cursos que vão desde técnicos até o ensino superior e estão distribuídos em diferentes áreas como: educação, saúde, ciências, computação e informática, administração, gestão ambiental, etc.
Estudando no Brasil
Entre as pessoas que participaram do diagnóstico, 323 não fizeram nenhum curso no Brasil, correspondendo a 85%. Apenas 59 pessoas responderam ter participado de algum curso, correspondendo a 15% da população diagnosticada. Dos que realizaram algum curso, 34 fizeram cursos de Língua Portuguesa e 44 responderam ter realizado outro curso, como promotor de saúde mental, fotografia, informática, hortas urbanas, educação em contexto migratório, confeitaria, etc.
O documento, da Fraternidade e do Acnur, aponta que é possível vislumbrar a inserção imediata no mercado de trabalho daqueles que possuem certificado de cursos realizados no Brasil. Pode-se ainda aproveitar a qualificação dessas pessoas dentro dos próprios abrigos, ainda que na condição de trabalho temporário, onde pudessem praticar os conhecimentos adquiridos nos cursos e, ao mesmo tempo, ganhar experiência para se inserir no mercado de trabalho mais amplo. Esta ocupação deve ser remunerada e, ao longo do tempo, será possível que os abrigos possam contar com uma maior participação dos indígenas na gestão dos espaços e no processo de tomada de decisão sobre os assuntos referentes às suas vidas.
Quando perguntados sobre quais cursos teriam interesse em realizar no Brasil, 71 pessoas responderam que gostariam de realizar um curso de agroindústria e agricultura (9%); 69 têm interesse no curso de cabeleireiro (8%); 67 pessoas responderam que gostariam de fazer um curso de artesanato (8%). Há também interessados em cursos de enfermagem, de técnicas e cozinha, padeiro, pedagogia, construção civil, carpintaria (7%), administração e de garçom.
O que pode ser feito
Para a Fraternidade e o Acnur, a partir do interesse dessas populações, é possível pensar em estratégias de ação para dar continuidade à formação dos Warao e E’ñepa. Em um primeiro momento, a maior urgência é a validação dos certificados técnicos referentes aos cursos concluídos na Venezuela.
Em seguida, a ideia é trabalhar em grupos focais, em que parcelas das populações com o mesmo perfil educacional e a mesma demanda possam ser contempladas. Desta forma, no caso daqueles que concluíram o ensino fundamental, médio, ou que possuem formação técnica e ensino superior (graduação completa), teoricamente já estariam aptos para atuarem nas suas áreas de formação e, portanto, adentrarem ao mercado de trabalho local.
Porém, as entidades destacam que há algumas questões que devem ser levadas em consideração antes de se pensar na inserção dessas populações nos quadros laborais das cidades onde se encontram. A falta de domínio do Português é apontada por 45 pessoas como a maior dificuldade encontrada fora do abrigo.
Assim, cursos de português estruturados de acordo com os modos de ensino e aprendizagem dessas populações devem ocorrer de maneira contínua e regular, contando com a participação efetiva dos professores Warao e E’ñepa durante todo o processo. E há demanda: 60 indígenas demonstraram interesse em cursos de Português. “A inserção na Língua Portuguesa, respeitando as questões interculturais, é fundamental para garantir uma maior inserção da população e preparação para o mercado de trabalho”, indica a pesquisa.
Por fim, mas não menos importante: em relação às 69 pessoas que responderam não saber ler e nem escrever (18%), as entidades indicam que se deve pensar em cursos voltados para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) que contemplem não apenas as especificidades inerentes a Educação Escolar Indígena, como também a situação de refúgio e migração em que se encontram essas populações.